Resenhas

Soccer Mommy – Sometimes, Forever

Sophie Alison se liberta de rótulos do bedroom pop para adentrar um terreno mais experimental, explorando incertezas e impermanências

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Ano: 2022
Selo: Loma Vista Recordings
# Faixas: 11
Estilos: Indie Rock, Bedroom Pop
Duração: 42'
Produção: Daniel Lopatin

Quando Sophie Alison começou seu projeto Soccer Mommy, talvez não imaginasse o impacto que suas canções pessoais causariam em seus ouvintes e na cena em construção do bedroom pop. Uma das responsáveis por popularizar o gênero, a cantora e compositora colocou texturas Lo-Fi e acordes fáceis a serviço de seu domínio em compor das canções de amor adolescente dos anos 2000. Em diversas entrevistas, Sophie afirma que Avril Lavigne é uma de suas maiores referências e isso transparece na maneira como a vulnerabilidade e sensibilidade são espectros emocionais comumente explorados em seus discos. Além disso, seu sucesso também se justifica pela forma como ela sabe precisamente dosar os elementos de sua sonoridade, a fim de que o conjunto geral soe tão nostálgico quanto atual.

Nesse sentido, Soccer Mommy é um projeto que coleta referências diretas do indie rock e ao mesmo tempo oscila entre o emo e dream pop. É esta convicção no formato de sua comunicação que faz com que Sophie seja uma voz tão fácil de se escutar. Ela fala de suas emoções com tanta franqueza, que nos sentimos completamente seguros ao ouvir Soccer Mommy – com destaque especial para seu segundo disco color theory, lançado no começo de 2020).

Entretanto, depois que a pandemia começou, as certezas se tornaram escassas e uma angústia global certamente iria influenciar a obra de Sophie. O resultado está expresso em Sometimes, Forever, terceiro disco de Soccer Mommy e, possivelmente, o mais ambicioso até agora. Aqui, a precisão criativa da cantora e compositora cede espaço total à inconstância e ao experimental. Nas 10 faixas que formam o disco, escutamos músicas muito mais compromissadas em se desvencilhar de delimitações e se lançar por entre elementos de diferentes naturezas. O disco soa pop de uma maneira geral, mas é um pop mais estranho, principalmente por ser construído a partir destes ingredientes tão diferentes entre si. Parte dessa razão vem da escolha do produtor do disco, Daniel Lopatin (aka Oneohtrix Point Never), conhecido por manejar uma aura consideravelmente mais experimental ao pop. Entretanto, não é apenas a escolha estética que dá esse tom da incerteza para o disco – as próprias letras abordam isso.

A escrita sincera de Sophie parece procurar assuntos universais, como o amor, e abordá-los sob esta perspectiva de impermanência – o próprio nome do disco já aponta para essa direção. Ela não reclama das novidades, mas nem as comemora – permanece neste contínuo estado de dúvida. É um trabalho sobre como o não-saber é muitas vezes a maior sabedoria. Por isso, o trabalho soa tão quebradiço e esquisitão, afinal, ele nos mostra a todo instante que nós não solucionamos a irrefreável mutabilidade das coisas, apenas aprendemos a conviver com a angústia. Diferente de seu antecessor, este disco não tem um tom otimista de que tudo vai ficar bem. E ainda assim traz essa rica paleta de sons diferentes e os agrupa em canções plenamente acessíveis e relacionáveis com o público.

Cada faixa do repertório tem uma natureza distinta. “Bones”, por exemplo, é uma excelente abertura, na medida em que conta com elementos tradicionais da estética Soccer Mommy, mas começa a introduzir aos poucos aqueles pontos de tensão e experimentação. Os timbres de Daniel Lopatin ganham destaque nos primeiros segundos de “Unholy Affliction”, com sintetizadores distorcidos e baterias instáveis. “new demo” encarna a intimidade da canção acústica em direção ao universo infinito da psicodelia. Já “Don’t Ask Me” se volta com tudo ao dream pop, abusando de reverbs no melhor estilo Slowdive e My Bloody Valentine. “Following Eyes” tem refrão pegajoso, mas para chegar até ele atravessamos versos nebulosos e soturnos. E “Still” é uma carta de amor a “I’m With You” de Avril Lavigne e encerra o disco com toda emoção de uma boa balada adolescente.

Sometimes, Forever é um passo mais maduro na discografia de Soccer Mommy. Aos poucos, Sophie acaba abandonando aquela imagem de garota singela do bedroom pop e caminha em direções que desconsiderem a rigidez dos rótulos. Seu terceiro disco é uma declaração de independência das restrições e um passo fundo e certeiro dentro das incertezas, com angústias e dilemas condimentados por um saboroso mel pop.

(Sometimes, Forever em uma faixa: “Following Eyes”)

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ARTISTA: Soccer Mommy

Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique