Resenhas

SZA – SOS

Aguardado segundo disco da artista proporciona novo olhar sobre a intensidade das coisas – mas mantém a sinceridade devastadora e contagiante da estreia

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Ano: 2022
Selo: Top Dawg/RCA
# Faixas: 23
Estilos: R&B, Hip Hop, Trap
Duração: 68'
Produção: Babyface, Jeff Bhasker, Benny Blanco, Rodney Jerkins, DJ Dahi, Gabriel Hardeman, Ant Clemons, Lizzo e outros

Depois da pandemia, nossa percepção do tempo mudou drasticamente. É difícil imaginar que 2018 já está meia década distante – mas parece bastante se pensarmos no tempo sem um novo disco de SZA. Ctrl é um dos melhores trabalhos daquele ano e uma estreia que fez a artista alçar um rápido voo em direção ao estrelato do pop. Há cinco anos, SZA era uma artista tímida, que usava suas canções como forma de recontar sua história, tomando conta de seu próprio destino – daí a ideia do título.

O som de Ctrl transita por entre a atmosfera sincera e afetuosa de mixtapes, misturada a timbres de baixa fidelidade, com cacoetes do trap ganhando o mesmo espaço que gravações caseiras da avó de SZA lhe dando conselhos – quase um resgate do mood que Janet Jackson vestia nos anos 1980 com seu disco também chamado Control. Baladas confessionais são pinceladas por referências a Drew Barrymore em um disco que soa como diário de colagens, com memórias e percepções acumuladas e dispostas de maneira controlada.

Entretanto, se a pandemia nos ensinou algo é que as coisas nunca estão sob nosso total controle – não importa o quão desesperadamente queremos acreditar nisso. O trauma coletivo somado a entrada repentina no salão mais desejado do mainstream culminam em um novo momento na carreira de SZA. Em 2022, ao invés de conter o grito de angústia e (auto)afirmar o controle, SZA escolheu entoar uma nova mensagem para suas músicas – e que está no título: socorro. Um SOS que ecoa afetos, rejeições e busca por entendimento frente a tudo o que acontece. E, mais uma vez, a musicalidade constrói a paisagem perfeita para as especificidades de cada canção, em um repertório no qual SZA, acompanhada de um time de produtores de peso, é autêntica e visceral. Se  há uma canção de amor, será o amor mais intenso que se pode sentir. Se for sobre traição, será uma humilhação dolorosa que não poupará nenhum esforço em tirar alguém do sério. SZA continua extremamente habilidosa em mostrar a crueza das relações e das emoções – e o ouvinte que aguente o baque.

SZA abre SOS com toda a força do canto e coro gospel para lembrar que quem pilota a montanha-russa emocional é a mesma mulher gigante de Control – “You damn right I’m The One”. Logo em seguida, o single “Kill Bill” faz menção ao filme de Tarantino na tentativa de tentar justificar um surto de matar o ex-namorado – possivelmente, o refrão mais chiclete do disco. “Low” traz os graves do trap para encorpar o tracklist, com um flow milimetricamente calculado, mas espaço de sobra para os momentos de glória dos vocais de SZA. “Blind” traz um descanso do hip hop, em uma espécie de folk/downtempo adornada por arranjos acolhedores de cordas. “Gone Girl” é um dos momentos em que a artista brilha nas letras, imprimindo toda a sinceridade e ambiguidade da desilusão amorosa – em uma frase ela consegue condensar a vontade de reconciliação e distância. Para somar ainda mais emoção, SZA convida Phoebe Bridgers para uma participação vocal em “Ghost In The Machine”, uma perspectiva quase existencial da humanidade e das relações de afeto. “Conceited” relembra a sua presença dentro do pop mundial, com uma estética mais comercial parecida, aos moldes do pop trap de Doja Cat. Outro grande nome que figura no disco é Travis Scott, só que, no lugar do trap, ele entoa melodias mais suaves e menos auto tunadas, em uma das grandes baladas de coração partido de SOS.

SOS é diferente de Ctrl em algumas escolhas estéticas, mas ambos têm uma essência em comum: a entrega total de SZA rumo ao sentimento das coisas. Neste brilhante segundo disco, ela continua no controle da situação, mas as coisas agora tomaram uma proporção tão grande que é mais fácil aceitar a imprevisibilidade caótica da vida do que formatar tudo em um grande quadrado. Quase um tratado pop existencialista.

(SOS em uma faixa: “Gone Girl”)

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ARTISTA: SZA

Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique