Resenhas

Mahmed – Sinto Muito

Segundo disco de banda potiguar traz uma sonoridade repleta de mistério, espiritualidade e qualidade

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Ano: 2018
Selo: Balaclava Records
# Faixas: 10
Estilos: Psicodelia, Dream Pop, Soft Rock
Nota: 4.5
Produção: Mahmed

Qualquer um que já tenha escutado um registro da banda potiguar Mahmed entende o poder que suas composições têm sobre nós. Em uma mistura indecifrável e precisa de Psicodelia e suavidade, a relativamente curta carreira do grupo sempre pareceu evidenciar a criação universos e paisagens que, apesar de construídos sobre timbres suaves e a ausência de vozes, conseguiam fazer com que nós mergulhássemos profundamente em uma espécie de espaço à deriva de sua sonoridade, deixando nos entregar e confiando plenamente na sabedoria de seus integrantes.

Mas o mistério ainda continua. O que, neste coeso constructo, causa esta sensação que é, ao mesmo tempo, inominável, mas também repleto de significados? Tudo poderia encaminhar para uma resposta que abrangesse as sonoridades e timbres escolhidos como causadores disso, porém o novo trabalho parece deixar ainda mais claro que o mistério não fora revelado tão facilmente assim.

Quando ouvimos Sinto Muito, o segundo trabalho de estúdio do grupo, percebemos que não estamos sozinhos. Entre os conhecidos riffs de guitarra (ora dissonantes, ora harmônicos) e as batidas envolventes e suingadas, surgem vozes e novas perspectivas integradas à suavidade de longa data. A soma de todos estes elementos em dosadas e precisas proporções revela que existem entidades rodeando os arranjos do disco e tornando as faixas muito maiores e misteriosas. O fato é que este registro põe em foco a verdadeira essência do grupo: a maestria de tornar arranjos relativamente simples em uma experiência quase metafísica. As coisas estão certamente maiores aqui e talvez por isso haja tantas parcerias e ritmos mais acelerados: Tudo é tão grandioso que mal cabe dentro do próprio Mahmed, transcendendo-o.

As colagens de vozes aleatórias e trechos de filmes em Intro já anunciam as companhias que nos acompanharam durante o registro, sejam elas ideias ou personagens. Bosque, em uma mistura de Indie Emo com Post-Rock, traz o melhor das potencialidades instrumentais de Mahmed, aliada a vocais etéreos e distantes. Para dar voz ao mistério constante, a vocalista do duo Widowspeak, Molly Hamilton, empresta sua doce voz ao single Leli, uma canção transeunte que permeia diversas referências e cantos da nossa mente. Otra Cancion pode ser ligeira nas linhas de baterias, mas a fritação quase Noise que sucede é potente o suficiente para deixarmos nossa percepção correr solta para além dos compassos rígidos. Por fim, Enquantico Fino encontra no violão quente uma saída inteligente para que synths infinitos possam se proliferar até que, aos poucos, possamos despertar deste disco.

Em seu segundo disco, Mahmed vê em cada faixa uma oportunidade para converter seu ouvinte, e o termo aqui vem empregado justamente por esta possibilidade de enxergar sua obra como um grande e sagrado ritual: no qual depositamos um pouco de nossa percepção e somos recompensados com uma experiência imersiva e transformadora. Um mistério cuja graça consiste em não decifá-lo.

(Sinto Muito em uma faixa: Bosque)

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BOM PARA QUEM OUVE: Kalouv, Hurtmold, John Frusciante
ARTISTA: Mahmed

Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique