Resenhas

DJ Jeeh FDC – Alcateia

Novo disco reafirma o poder do jovem produtor em levar o funk para os mais surpreendentes caminhos musicais

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Ano: 2023
Selo: PMI Records Oficial, 24por48, LOVE FUNK, Pear Music / Portuga Records
# Faixas: 7
Estilos: Funk, Ritmada, Mandelão
Duração: 25'
Produção: DJ Jeeh FDC

No funk existe algo que podemos chamar de geografias sônicas ou territorialidades musicais. As batidas, ritmos e sonoridades transformam-se de região para região, em diálogo com a cultura local e os modos específicos de embrazar dos bailes. Essas diferenças se dão principalmente em âmbito estadual (pense nas características únicas do funk do Rio, de BH e de São Paulo, por exemplo), mas também podem existir dentro de uma mesma cidade.

Em São Paulo, o funk tem dois territórios musicais: na Zona Sul, em bailes como Helipa e Bega, o som dominante é a bruxaria e o agressivo — sons mais distorcidos, pesados e muito tuin, como são as faixas do DJ K. Por outro lado, em bailes da Zona Norte, como 12 do Cinga e a Marcone, impera a vertente chamada de ritmada, caracterizada pela batida mais suingada, com muitos berimbaus e tambores, como é o caso de “Ritmada da Laura”, hit do Yuri Redicopa.

Cria da Favela da Caixa d’Água, na Zona Leste de São Paulo, DJ Jeeh FDC é um alquimista que combina com maestria a agressividade impactante da bruxaria com a alegria reluzente e irresistível da ritmada, além de incorporar um vasto leque de influências melódicas de diversos outros estilos, desde os funks de Perera DJ, passando pelo R&B norte-americano dos anos 2000 até o pagode — a melodia de “Foda Marcada”, por exemplo, baseia-se na intro de “Fala Baixinho”, do Revelação. Essa qualidade camaleônica fez de Jeeh FDC, de 19 anos, um dos principais produtores do atual funk paulista, citado como referência por nomes como MU540 e presente nos sets de todos os DJs ligados a música de periferia.

Conhecido por hits como “Beat da Felicidade” e “Puta Rara Puta Mexicana”, desde o ano passado Jeeh FDC também vem investindo em álbuns. Em 2022, Sons da Região e Ritmos teve praticamente todas as faixas estouradas nos mais diferentes bailes de rua de São Paulo. Neste ano, Jeeh soltou Dnpn, um EP de quatro faixas com o MC LCKaiique, e agora apresenta o álbum Alcateia, que afirma mais uma vez o poder do jovem produtor em levar o funk para os mais surpreendentes caminhos musicais.

Na abertura do álbum, “Faz o Sinal do Alfa” faz lembrar a house music, mas com uma energia original e revigorante de quem não está preso às amarras tão definidas de gênero. Nas mãos de Jeeh, mesmo a levada mais quadrada da house music adquire um suingue eletrônico indescritível. Na sequência, em “Flauta de Yukón”, o produtor reverte nossas expectativas ao samplear “Charisma”, faixa do jazzista americano Tom Browne que no Brasil é mais conhecida como a base de “Eu Tô Ouvindo Alguém Me Chamar”, dos Racionais MCs. Originalmente, a música era uma balada romântico-sensual e foi transformada pelos rappers em um som de permanente tensão, ameaça e stress. Com sensibilidade aguçada, Jeeh FDC consegue encontrar outra possibilidade para aqueles sons: uma putaria misteriosa e esfumaçada, com um desenho rítmico cheio de movimento, como os ombros dos dançarinos do baile.

Ecoando os primeiros hits do MC Livinho, “No Automático” leva um dos sons mais utilizados pelo DJ: o steel pan, instrumento originado em Trinidad e Tobago e popularizado no pop internacional por Soulja Boy em “Crank That”. É mais um acerto do DJ numa vertente que ele chama de ritmada melódica, que descreve um som perfeito para lançar o passinho e brisar ao mesmo tempo. Outro elemento da assinatura musical de Jeeh FDC é sua habilidade no recorte de samples. Em “Pouco Papo e Muito Vapo!!”, com o MC Arcanjo, a base é guiada não pela guitarra, mas pelo o som picotado — o corte torna-se tambor. Essa operação é ainda mais perceptível em “Subindo e Descendo”, com MC Menor Topre, trazendo uma abordagem minimalista e igualmente picotada do sample de “Wonderful”, de R. Kelly e Ashanti.

Mas o grande momento de Alcateia é “Sorrateiro”, com o MC Meno Dani. Com um brilho diferente do panorama atual, o beatmaker da Zona Leste entrega um pequeno épico funk, com diversas camadas que vão compondo uma trama complexa e refinada de suspense. É a faixa que evidencia os promissores caminhos desse jovem produtor: sempre rumo ao inesperado. Música na contramão das ideias atuais, como ele mesmo diz.

(Alcateia em uma faixa: “Sorrateiro”)

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ARTISTA: DJ Jeeh FDC