Resenhas

Gorillaz – Cracker Island

Com colaborações certeiras, oitavo disco do projeto de Damon Albarn e Jamie Hewlett é lúdico, livre e contagiante

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Ano: 2023
Selo: Parlophone
# Faixas: 10
Estilos: Indie, Pop
Duração: 37’ / 53’ (deluxe)
Produção: Gorillaz, Dom Dolla, Greg Kurstin, Kevin Parker, Remi Kabaka Jr. e Tainy

Há uma narrativa de distanciamento do ouvinte que é estabelecida pela própria natureza da banda Gorillaz. Afinal, qual é a verdade de um grupo que não existe? Usando desenhos/ilustrações e animações como “avatares” em uma época em que esse termo nem era popular, o projeto de Damon Albarn (Blur) e Jamie Hewlett já atravessou duas décadas como uma brincadeira que deu mais certo do que se pensava não baseada nos personagens criados para darem visualidade à banda, mas – quem diria? – em música cheia de frescor, liberdade e diversão.

Cracker Island, oitavo álbum produzido sob o nome Gorillaz, é isso do início ao fim. É o desejo de fazer boa música em boa companhia, sem se apegar a nenhuma “fórmula”, mas completamente à vontade no “jeitão” Gorillaz de produzir. Há sim paralelos com momentos recentes de sua discografia, mas é mais porque esse seu estilo – um tanto indie, um tanto soul e disco das antigas, um pouquinho psicodélico e bastante eletrônico – está mais do que consolidado. E parece que está ainda melhor desta vez.

A faixa-título, abertura da obra, é aquele hitzinho certeiro, com uma ambientação tensa na medida certa e um sorriso de canto de boca, além da presença discreta, ainda que muito bem-vinda, de Thundercat. Ela abre caminho para músicas como “Tarantula”, “Baby Queen” e “The Tired Influencer” conquistarem o ouvinte por caminhos mais leves, uma vibe parecida com “New Gold”, que recebe Tame Impala e Bootie Brown. Todas excelentes.

“Silent Running”, candidata a um dos melhores refrãos que Gorillaz já gravou, fica grudada na cabeça do ouvinte no melhor sentido possível, também por conta do vocal carismático de Adeleye Omotayo. Um dueto com Beck faz as vezes de encerramento da narrativa de Cracker Island, na faixa “Possession Island”, mas o nome que mais brilha entre os convidados desta vez é Stevie Nicks. Ela é a principal atração de “Oil”, faixa que, ouso dizer, é o hit que muitas cantoras do pop adorariam ter gravado – atemporal, empolgante e emocionante.

A presença de Bad Bunny em “Tormenta” e de MC Bin Laden em “Controllah” (exclusiva na versão deluxe do álbum)(e que sentido faz não escutar a versão deluxe na era do streaming?), cada um cantando em sua língua materna, dá a chance de Gorillaz encontrar um meio de caminho interessante entre o que é trabalhar a musicalidade dos outros sem abrir mão de sua identidade. “Crocodillaz”, com De La Soul e Dawn Penn (dois nomes que, assim como Stevie Nicks, foram retirados diretamente dos livros de história) faz o mesmo em uma aura de despretensão, e a sensação é a de que aquele que não sorrir ao escutar a faixa estará pecando.

E talvez seja aí que se esclarece quem é Gorillaz em 2023, muito além dos quatro personagens inventados para ilustrar o grupo, e além mesmo de seus criadores. O projeto é um playground criativo baseado não só na colaboração e na excelência musical, mas na brincadeira que é tão natural ao lugar lúdico, imaginativo, ou mesmo “faz de conta” que a banda existe. Damon Albarn pode ter tido pinta de jovem rebelde há 30 anos e Jamie Hewlett pode causar muito em seus projetos de arte urbana, mas fica a ideia de que, no Gorillaz, os dois aprenderam que a maior subversão é a diversão.

(Cracker Island em uma faixa: “New Gold”)

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ARTISTA: Gorillaz

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.