Existem álbuns que são definitivos na carreira de certos artistas. No caso da cantora e compositora inglesa Jessie Ware é muito provável que haja um consenso acerca de qual disco ocupa este lugar em sua obra. Lançado durante a pandemia, What’s Your Pleasure? (2020) marca uma impactante mudança em sua sonoridade – se afastando do pop melancólico minimalista da metade dos anos 2010 e indo em direção à nostalgia disco. Apesar desse resgate não ser necessariamente uma carta nova dentro do pop contemporâneo, a abordagem de WYP? se destaca com suas sutilezas e uma produção minuciosa, repleta de detalhes sedutores – dos timbres dos sintetizadores aos arranjos de cordas (gravado no Abbey Road)
Com um grande disco, também vem a responsabilidade de produzir um sucessor, acompanhado da inevitável expectativa com relação aos possíveis caminhos a serem seguidos. Entretanto, o que poderia ser internalizado como uma cobrança para produzir algo tão bom quanto What’s Your Pleasure? se revelou, na verdade, uma oportunidade para Jessie Ware fazer aquilo que sempre quis fazer: se divertir. Em entrevista dada ao Papel Pop, Jessie revelou que a virada de sua sonoridade foi impulsionada pela vontade de fazer as pessoas dançarem em seus shows. Portanto, ao escutar That! Feels Good!, seu quinto disco, somos automaticamente inseridos em um ar bon-vivant constante, do início ao fim.
Jessie Ware está completamente imersa na disco e seria ingenuidade pensar que apenas um disco daria conta de suprir este calor dançante. Para tirar o melhor proveito de suas músicas, ela se aliou ao produtor Stuart Price, responsável pelo disco Confessions On The Dance Floor (2005), de Madonna – demonstração emblemática do revival Disco durante os anos 2000. Neste trabalho, Jessie passeia por timbres e produções que revelam um lado quase estereotipado do glamour, em uma estética exagerada, quase beirando o brega. A sutileza dos sintetizadores dá espaço a pianos marcados, arranjos de cordas dramáticos e batidas que priorizam muito mais o balanço do que o movimento repetitivo do bate-estaca. São mudanças relativamente pequenas em termos de arranjos e sonoridades, mas elas apenas atestam o quanto esse território ainda pode ser descoberto e redescoberto por Jessie Ware.
Os sussurros de prazer na primeira faixa deixam pouca dúvida sobre o prazer que ela tem ao interpretar as canções e a vontade de repetir isso incessantemente (“That Feels Good/Do it again!”). Logo em seguida, “Free Yourself”, primeiro single deste trabalho, nos mostra que uma música dançante não precisa ter um baixo super explosivo – desde que um piano continue a conduzir, está tudo bem! “Hello Love” diminui o andamento da festa, mas não sacrifica o balanço envolvente aliado aos chiquérrimos naipes de metais. “Beautiful People” (possível alusão ao glamoroso hino homônimo de Barbara Tucker) destaca um dos elementos priorizados quando em comparação ao disco anterior: as percussões. Elas são o verniz que conecta a maciez aveludada dos metais e cordas com o ritmo presente e cujo impacto sentimos no peito. “Shake The Bottle” traz uma proposta vocal de Jessie que flerta um tanto o Spoken Word, uma marca clássica da música pop francesa dos anos 60/70. Por fim, “These Lips” encerra o novo disco em grande estilo, como se a festa estivesse acabando, mas não sem um grande número de encerramento.
That! Feels Good! é uma continuação de What’s Your Pleasure? não por prolongar a “era disco” de Jessie Ware, mas, sim, por ser o caminho natural do pensamento construído no celebrado álbum de 2020. Afinal de contas, se antes ela desejava identificar seus prazeres, agora é hora de aproveitar e gozar ao máximo deste glamour. Um disco hedonista, sem vergonha de ser feliz.
(That! Feels Good! em uma faixa: “These Lips”)
