Resenhas

Tulipa Ruiz – Habilidades Extraordinárias

Quinto disco constrói universo cheio de sedutoras contradições e demonstra, mais uma vez, um apetite artístico insaciável

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Ano: 2022
Selo: Brocal Edições Musicais
# Faixas: 11
Estilos: Psicodelia, Funk, MPB
Duração: 37'
Produção: Gustavo Ruiz

Desde o início da última década, Tulipa Ruiz veio se firmando como uma voz múltipla da nossa música, ocupando diferentes lugares no imaginário cultural. Seus primeiros discos, em especial o já clássico Efêmera (2010), trouxeram sussurros de domínio pleno da poesia embalados por referências musicais que fogem do óbvio de típicas canções de amor. E sua voz ecoou por diversos lugares – das listas de melhores discos da crítica especializada a trilhas sonoras de games. De nome consolidado no circuito independente, Tulipa ganhou projeção internacional e participou do lendário festival de Montreux. Além de quebrar as fronteiras, seu talento circulou pelos ouvidos e bocas de figuras célebres da música brasileira, como Elza Soares e João Donato.

A versatilidade de pessoas e lugares encantados por Tulipa também faz parte de sua produção artística. Em cada etapa de sua discografia, ela parece se redescobrir, se reinventar – seja nos flertes com o eletrônico em Dancê (2015) ou sob calorosos arranjos latinos em Tu  (2017). Agora, em Habilidades Extraordinárias, ela mais uma vez é capaz de – mesmo em meio ao turbilhão de informações da contemporaneidade – se manter, ao mesmo tempo, múltipla e autêntica.

O título de seu quinto trabalho veio de uma situação na qual, em uma entrevista de trabalho para os Estados Unidos, o entrevistador perguntou a Tulipa se ela tinha alguma habilidade extraordinária que apressasse o processo burocrático. A ocasião despertou uma reflexão a respeito de sua vivência e seus objetivos enquanto artista – especialmente em um contexto político em que artistas, segundo Tulipa, “têm a responsabilidade de contar ao mundo o que se passa aqui”. Em Habilidades Extraordinárias, ela parece ir além da artista que representa individualmente e constrói símbolos capazes de pensarmos na indústria como um todo. A própria forma como o disco foi produzido – em fita analógica, minimizando processos digitais ao máximo – é um contraste às demandas crescentes do mercado fonográfico, além de um recado a respeito do “ritmo” da arte.

São 11 novos exemplos de como Tulipa segue voraz e em ebulição. A abertura, “Samaúma” mistura o groove brasileiro a texturas analógicas e efeitos de guitarra que ressoam o funk dos anos 1970, e a parceria com Negro Leo em “Pluma Black” traz a voz declamada como recurso preciso, em um misto de incerteza e calmaria. “Não Pira” bebe do batidão do funk carioca, e “Vou te Botar no Pau” é repleta de referências do rock e percorre, conscientemente, um caminho mais dissonante do que harmônico. As letras continuam sagazes, carismáticas e surpreendentes E, para completar a festa, João Donato aparece em “O Recado da Flor”, em meio a arranjos nostálgicos, misteriosos.

Habilidades Extraordinárias é, de uma só vez, novidade e familiaridade, sonho e realidade, dissonância e harmonia plena. Tulipa Ruiz cria um repertório quente e imprevisível, mas, ao mesmo tempo, nos fisga a partir de centelhas daquilo que a tornou uma das grandes cantoras brasileiras desse século. É, novamente, um testemunho de sua criatividade e de como ela é capaz de abrir um universo de possibilidades sem deixar de soar autenticamente Tulipa Ruiz.

(Habilidades Extraordinárias em uma faixa: “Pluma Black”)

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ARTISTA: Tulipa Ruiz

Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique