Resenhas

Pavement – Terror Twilight

Sob o olhar rígido de Nigel Godrich, trabalho de despedida mantém a essência de sempre, enquanto pisa, discretamente, no acelerador

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Ano: 1999
Selo: Matador
# Faixas: 11
Estilos: Indie, Rock Alternativo
Duração: 44'
Produção: Nigel Godrich

“Ninguém podia acusar Pavement de ser um arquétipo do Rock”, escreveu Barney Hoskyns, em 1999, para o site The Quietus, durante as gravações de Terror Twilight, último álbum de Stephen Malkmus com seus companheiros. A frase pode ter feito sentido durante os dez anos de existência da banda, que acabou, entre outros motivos, pela sensação de descompasso com as demandas musicais da época. O que talvez ainda não estivesse tão claro, é que, nas próximas duas décadas, se consolidariam como a epítome de um Indie Rock caricaturalmente americano, suburbano, despretensioso em sua camada mais externa, mas bastante intelectualizado.

O cenário, dois anos após o (para fãs mais rigorosos) protocolar Brighten The Corners, de 1997, era justamente o de um Malkmus perfeccionista e incomodado com a distância física. O aspecto “largado”, que sempre os caracterizou, só fazia sentido vindo da materialização rápida e em larga escala de suas ideias – teoria que hoje parece comprovada, dado que seus projetos solos ou com a banda The Jicks, acompanhado de membros geograficamente mais próximos, já somam o dobro da duração e de número de lançamentos de sua obra com Pavement.

Para o momento, então, nada parecia mais oportuno – e arriscado – do que o encontro entre um compositor à procura de comprometimento para sua banda fora de sintonia e a responsabilidade de trabalhar com um dos produtores mais celebrados da música alternativa da época. O britânico Nigel Godrich, recém-saído de seus trabalhos em OK Computer (1997), de Radiohead, e em Mutations (1998), de Beck, era fã da banda, especialmente de Wowee Zowee (1995), disco de criatividade mais solta lançado pelos americanos. Ele se aventurou, sem cobrar cachê, dormindo no chão da casa de um amigo, em Nova York, para lapidar o que viria a ser o último trabalho de estúdio de Malkmus e companhia.

A chegada de Nigel veio após uma tentativa frustrada de manter as coisas simples em sessões de gravação na cidade de Portland e trouxe uma nova dinâmica. Era a primeira vez que trabalhavam em um estúdio de primeira linha – a pedido do inglês, pagando mais do que a banda gostaria –, com um produtor em seu auge, conhecido justamente por ser extremamente detalhista e controlador. Sua proposta era focar apenas nas 12 melhores músicas – uma delas ficou de fora da versão final, a instrumental ”Shagbag” – e trabalhá-las obsessivamente. Proposta diferente daquelas com as quais os integrantes estavam acostumados: encaixar o maior número de canções possível nas sessões de gravação e aproveitá-las depois nos shows e em possíveis Lados-B lançados.

O resultado disso é uma alternância entre momentos de homogeneidade das duas entidades musicais e outros em que as estratégias do produtor parecem se sobressair. ”Ann Don’t Cry” é um dos pontos altos de sincronia. A simplicidade estrutural dos singles de Malkmus está ali com uma densidade maior graças a uma produção mais cheia de camadas. Já a épica ”The Hexx” tem a cara de Nigel e notas de Radiohead, trazendo ao Pavement uma aura de Slint ou Swans, com suas progressões contínuas, hipnóticas e mais sombrias.

Terror Twilight não ganhou imediatamente o mesmo respeito de outros trabalhos da banda por não ter uma intenção clara. É o reflexo da decepção dos membros com um projeto que começou para ser divertido e passou a ser levado de maneira pesada. O percussionista e tecladista Bob Nastanovich não cansou de repetir em entrevistas que Nigel não lembrava de seu nome e o guitarrista Scott Kannberg, insatisfeito por Malkmus não ter acolhido nenhuma de suas músicas no disco, disse em entrevista que “Não foi divertido fazer aquele álbum desde o início. Foi o mais difícil.”

Hoje, mais de vinte anos depois, a sensação não parece essa. Terror Twilight é um álbum polido, que, em momento algum, suprime a essência da banda. Os “absurdos sublimes” das letras enigmáticas de Malkmus estão ali, como descreveu Alex Ross na New Yorker, presentes em melodias simples, divertidas e bem dentro de sua identidade, como em ”Spit On A Stranger”, ”You’re A Light” e na deliciosa ”…And Carrot Rope”, que encerra o disco. Mas, ao mesmo tempo, acompanhadas frequentemente de grandes quebras de expectativa e de influências de um Garage Rock mais tradicional, casos de ”Cream of Gold” e ”Platform Blues” – esta que inclusive, assim como ”Billie”, conta com participação de Johnny Greenwood, do Radiohead, na gaita.

Pavement passou sua breve existência tentando fugir do peso da fama e assim foi conseguindo trocar mais fãs por um respeito duradouro e concentrado. O último trabalho parece se dividir entre um pé no freio da ambição e outro no acelerador. Entre a vontade de se divertir sendo ignorado e o desejo de ser lembrado. “Não sou contra me sustentar. Eu posso fazer arte e as pessoas dizerem que sou incrível às vezes”, disse Malkmus, sempre questionado por esta possível “síndrome do underground”. Hoje, ele parece ainda não ter encontrado a medida ideal de seu sucesso, mas pelo menos parece estar curtindo mais essa busca sem fim.

(Terror Twilight em uma faixa: “You Are A Light”)

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ARTISTA: Pavement

Autor:

Nerd de música e fundador do Monkeybuzz.