Resenhas

Sufjan Stevens – Javelin

Belo e dolorido, 10º disco do compositor é mais um ponto alto de sua trajetória

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Ano: 2023
Selo: Asthmatic Kitty Records
# Faixas: 10
Estilos: Folk, Singer-Songwriter
Duração: 42'
Produção: Sufjan Stevens

É com a voz pesada e cantando bem como nunca que Sufjan Stevens apresenta seu novo álbum Javelin. Este é o primeiro trabalho do compositor no estilo singer-songwriter desde o clássico Carrie & Lowell, que configurou um dos pontos altos na prolífica carreira do compositor. Javelin compartilha com este uma semelhança inevitável, não apenas por questões de arranjos e melodias, mas por colocar o artista diante (novamente) de uma difícil provação de sua fé.

Temas bíblicos sempre foram balizas na composição de Sufjan, mas eles servem menos como pregação e proselitismo, e mais como uma mitologia capaz de explicar encontros e desencontros da trajetória humana. Sufjan usa o imaginário cristão para falar mais de fraqueza do que de força, mais de seus desvios de conduta do que seus acertos como cidadão do mundo. Javelin, portanto, fala de relacionamentos e ressentimentos, colocando a música como uma espécie de interlocução com a fé.

Javelin é fruto do esforço majoritariamente solitário de Sufjan, que além de compor, cantar e tocar todos os instrumentos, gravou e produziu tudo. As exceções ficam por conta dos backing vocals cantados por adrienne maree brown, Hannah Cohen, Pauline Delassus, Megan Lui e Nedelle Torrisi. Fora eles, o guitarrista Bryce Dessner também marca presença na faixa “Shit Talk”.

Em Javelin, os arranjos exibem momentos de introversão, com voz, banjo e violão dedilhados, que são interrompidos por um armamento pesado de grandes arroubos instrumentais e avalanches ocasionais de percussão e coros. Vale notar também a faixa “There’s a World”, clássico de Neil Young aqui fagocitado pelo estilo de Sufjan – que o faz soar sem esforço, como se se tratasse de uma composição própria. Todas essas presenças se amalgamam sonoramente no estilo deste trabalho, que forma um novelo musical cheio de nós em que amor, decepção e catecismo se misturam numa coisa só.

Não é estranho que a identidade visual de Javelin seja feita de colagens, como se o álbum fosse um apanhado geral de vários momentos da carreira de Sufjan até aqui. Grandes momentos de sua música são marcados pelo luto. Javelin, no entanto, diferentemente de Illinois ou Carrie and Lowell, por exemplo, não é sobre um tema específico. Todavia, seu lançamento chega marcado por duas notícias difíceis: a morte do companheiro de Sufjan e uma internação (agora já superada) do compositor por conta de uma doença autoimune chamada Síndrome de Guillain-Barré.

Assim, para nós, contemporâneos a Javelin, vai ser difícil encará-lo sob outra ótica – particularmente, é difícil não se arrepiar ao ouvir versos como “No more fighting / I’ve nothing left to give / I’ve nothing but atrophy”. Contudo, assim como a fé do compositor, a arte também configura um território onde a lógica não alcança, onde a confissão e mistério são livres para ser expressão pura. Javelin é um trabalho muito bonito e dolorido – e parece ter força o suficiente para transcender qualquer contexto e figurar como mais um ponto alto na discografia de Sufjan Stevens. O tempo dirá.

(Javelin em uma faixa: “So You Are Tired”)

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Autor:

é músico e escreve sobre arte