Resenhas

Erykah Badu – New Amerykah Part Two: Return of The Ankh

Possibilidades digitais se unem ao soul, enquanto Badu, driblando clichês, explora sentimentos intensos e complexos

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Ano: 2010
Selo: Universal/Motown Records
# Faixas: 11
Estilos: R&B, Neo Soul, Rap
Duração: 50'
Produção: Erykah Badu, 9th Wonder, James Poyser, Sa-Ra, Ta'Raach ,Madlib, J Dilla, Mike, "Chav" Chavarria, Karriem Riggins, Georgia Anne Muldrow, Questlove, RC Williams, Jahborn

Erykah Badu declarou que se Return of The Ankh e seu antecessor, New Amerykah: Part One (Fourth World War), fossem duas partes de um cérebro humano, sua sequência seria o lado direito – a metade emocional. “Disse o que sentia e não pensei no que as pessoas esperavam. Nem mesmo pensei sobre o que esperava de mim”, concluiu ela no evento de lançamento oficial. O desbravar dos sentimentos conduz a sonoridade de seu quinto álbum de estúdio New Amerykah Part Two: Return of The Ankh, lançado em 2010 pelo selo Universal Motown.

Os preparativos da série New Amerykah se iniciaram em 2005, quando Questlove, seu amigo e colaborador de longa data, a presenteou com um computador. Além da pesquisa de novas sonoridades, o presente do baterista do The Roots permitiu que Badu se conectasse ainda mais às linguagens do hip hop repercutidas por figuras icônicas como J Dilla (que morreria um ano depois) e Q-Tip, os quais ela chama de “gênios científicos e matemáticos”. A ferramenta ainda deu o impulso necessário para que Badu escapasse de um bloqueio criativo. Em entrevista à Interview Magazine em 2009, ela se descreveu como “uma garota analógica, adentrando um novo mundo, invadindo o espaço”. Podemos, aqui, presenciar o início dessa mescla entre o já consolidado neo soul e um futuro digital.

New Amerykah: Part One (Fourth World War) apresenta um afrofuturismo repleto de temas socioculturais identitários por meio de uma abordagem pesada e direta. Em contraste a seu predecessor, New Amerykah Part Two  mostra um lado mais íntimo e mergulha em todas as complexidades emocionais (e enlouquecedoras) de um relacionamento amoroso. Amarrando as criações de Badu, Return of The Ankh conta com a produção de vários colaboradores antigos, como J Dilla, Questlove, Madlib, 9th Wonder, Karriem Riggs, Sa-ra e Georgia Anne Mudrow.

O projeto também é algo como a retomada da sonoridade de Baduizm, como vemos nas canções “Turn Me Away (Get MuNNY)” and “Fall in Love (Your Funeral)”, que trazem referências a hits do rap dos anos 1990 – “Get Money” (Junior M.A.F.I.A.), “Warning” (Notorious B.I.G.) e “A Penny For My Thoughts” (Common).

“20 Feet Tall” abre o disco com ponderações sobre como uma relação é capaz de tomar conta de quem você é e de como se coloca no mundo. Mais do que isso: o embate entre o poder tomado ao perder alguém que se ama e o levante de reconquistar a identidade, a dignidade e o amor próprio (“But if I get off my knees / I might recall I’m 20 feet tal”). “Gone Baby, Don’t Be Long” traz a terceira parte de um conto desenvolvido a partir de um personagem fictício criado por Badu. O enredo – cujas primeira e segunda parte estão em “Other Side Of The Game” (Baduizm) e “Danger” (Worlwide Underground) – relata a história de uma mulher apaixonada por um malandro e todas as complicações que isso acarreta. Seguindo a narrativa, “Window Seat”, carro-chefe do disco, expressa, sob melodia melancólica e envolvente, as angústias de lidar com a solidão e o desejo de fugir.

Ao longo de 50 minutos, Badu transita entre sentimentos – não muito saudáveis –de codependência e o desejo de se desvencilhar de tudo. Clichês amorosos não são recorrentes. A retratação do amor aqui se dá como força que carrega o poder de construir ou quebrar uma alma. Em “Fall In Love (Your Funeral)”, Badu se dá conta de que está em um relacionamento não correspondido e que a saída é se afastar definitivamente. Ela faz isso, também, justamente a partir da referência aos versos de “Warning”, de B.I.G. (“Some, slow sangin and flower bringing / If my burglar alarm starts ringing)”.

A agonia de Badu, contudo, se torna mais leve, afável e hipnótica acompanhada de arranjos musicais, leves, vivos e vibrantes. Uma mistura de pianos, guitarras de jazz, samples de soul e os choques de sons e texturas criados por produtores do nível de Madlib. Ele é o responsável por “Incense”, um dos respiros em meio ao clima pesado, com sintetizadores se combinando a harpas que ditam o ritmo da voz suave. Ponto firme para suas ideias e sentimentos espalhados pelo disco.

“Out Of Mind, Just In Time” dá número finais ao disco com 10 minutos de Badu assumindo a profundidade dos sentimentos, ainda que não queira mais estar em um lugar de esforços desiguais. Por fim, ela escapa por meio de suas composições. New Amerykah Part Two, além de um grandioso expurgo, é a prova de que Badu é capaz de voltar às suas raízes enquanto incorpora amarguras e cicatrizes adquiridas pelo tempo.

(New Amerykah: Part Two (Return of The Ankh) em uma faixa: “Fall In Love (Your Funeral)”)

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ARTISTA: Erykah Badu