Resenhas

Fiona Apple — When the Pawn…

No segundo disco de estúdio, angústias costuradas em arranjos grandiosos e, em retrato lúcido e maduro, a prova do magnetismo sonoro

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Ano: 1999
Selo: Epic Records
# Faixas: 10
Estilos: Pop, Rock, Alternativo
Duração: 42'
Produção: Jon Brion

O pesado e imenso título de When the Pawn… é um prelúdio do sentimento destemido que ambienta os 42 minutos do segundo disco de estúdio de Fiona Apple, lançado em 9 de novembro de 1999. As 90 palavras estampadas na capa vermelha formam um poema escrito durante uma turnê, após a cantora folhear os comentários negativos de leitores sobre a entrevista que concedeu à revista Spin em 1997. “Ela é a coisa mais irritante do mundo”, dizia uma das cartas publicadas.

Embora Fiona tenha sido referência para um público jovem e feminino com o disco de estreia Tidal (1996), ao apresentar, como uma confissão, poemas embalados pelo Jazz e pelo Pop de forma majestosa, também vieram críticas. Principalmente quando a percepção franca e artística da cantora deixou de estar apenas nas canções e virou protagonista de um discurso no MTV Video Music Awards em 1997.

Na ocasião, Fiona foi premiada como Artista Revelação e, ao subir ao palco, criticou a indústria do entretenimento e enfrentou um público majoritariamente masculino e uma imprensa que a limitou como uma “mulher jovem e problemática” – algo distante da concepção de diva pop prevista para a época. Como reação a essas impressões, surgiu When the Pawn…, que rapidamente rompeu esse incômodo.

Os primeiros segundos da faixa de abertura do disco, “On The Bound”, não são sutis. O toque intenso da bateria combinado ao vibrante piano prende de imediato a atenção para o que Fiona tem a dizer: “Bem-vindas às páginas virando / O futuro está no limite / O inferno não conhece minha fúria”. Quando o vocal crescente atinge o ápice no refrão, ela não precisa mais te convencer a ficar.

Em When the Pawn…, Fiona se despede da voz suave que comandou o primeiro registro e cospe raiva – que, aos seus moldes, apresenta-se como um momento de completa sobriedade –, obsessões românticas, arrependimentos e autodescobertas. Ao longo das 10 faixas, as construções musicais aparecem mais complexas, mas o entendimento de Fiona é mais lúcido.

Em “To Your Love”, que vem logo na sequência de “On The Bound”, a artista modula a voz – e o órgão a acompanha – para disparar uma redenção dramática: “Por favor, me perdoe por minha distância / A vergonha manifesta em minha resistência / Ao seu amor, ao seu amor, ao seu amor”. Ao longo de todo o disco, o vocal cru de Fiona é peça-chave dos próprios versos. Ela grita, rosna e treme a voz, e todo e qualquer elemento sonoro é ousado, ambicioso e certeiro. Já em “Limp”, o processo é inverso: Fiona é guiada pela percussão até a explosão do refrão. Na composição, ela provoca as contradições do destinatário de maneira afiada. (“Você acaricia meu gatilho e depois culpa minha arma”).

Indicada ao Grammy em 2001 como Melhor Performance Vocal Feminina do Rock, “Paper Bag” cresce a cada novo verso em que o eu-lírico aborda uma ideia amorosa. “Eu estava tendo um devaneio sobre a doce fixação em um garoto / Cuja realidade eu sabia não ter esperança de acontecer” para logo depois revelar uma autoconsciência sombria de que ela é “uma bagunça que ele não quer limpar”. O suspiro que antecede os versos “Achei que ele fosse um homem / Mas era só um garotinho” dá fim a essa paixão que não lhe servia. A emblemática faixa, que vai da esperança à desilusão, também ganha um clipe deslumbrante pelo olhar do cineasta Paul Thomas Anderson (à época, namorado de Fiona).

Com curadoria instrumental escolhida a dedo ao lado do produtor Jon Brion – cujas colaborações também vão de Kanye West a Elliott Smith, passando pelas trilhas de Magnólia, Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, entre outras –, o disco não vendeu tanto quanto a estreia, que chegou a marca de cinco milhões de cópias no mundo todo. Mas, ainda assim, o sucessor conquistou o certificado de platina e ampliou drasticamente os horizontes de Fiona. Além da persona hipnótica, os sopros, sintetizadores, arranjos, a bateria e o piano contribuíram para a consagração de sua ambição poética – assombrosamente imensa aos 22 anos. When The Pawn… é ainda mais magnético do que Tidal.

A inquietude e o desconforto das relações desenharam When the Pawn… com uma textura romântica e soturna, revelando uma Fiona consciente do que pensavam sobre ela (e do que ela pensava sobre ela mesma). O disco colocou em xeque um público que não queria levá-la a sério, evidenciou a figura de uma artista Pop que transcendia sua época e ainda incrementou a convicção de que nada poderia soar como Fiona Apple. A não ser a própria Fiona Apple.

(When The Pawn… em uma faixa: “On The Bound”)

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ARTISTA: Fiona Apple