Resenhas

James Blake – Playing Robots into Heaven

Em sexto disco, artista britânico encarna seu lado DJ e, enquanto brinca com samples, injeta leveza e certo bom humor em sua típica melancolia

Loading

Ano: 2023
Selo: UMG, Republic/Polydor
# Faixas: 11
Estilos: Eletrônico, Indie
Duração: 42'
Produção: James Blake

Há um James Blake que sempre existiu em paralelo à discografia do músico – variada em suas atmosferas e constante em sua qualidade –, mas que parece nunca antes ter dado as caras definitivamente em um de seus álbuns: seu lado DJ. Ele se apresentou assim no saudosíssimo Sónar SP, em 2012, uma noite antes de seu show, e leva esse seu trabalho também às rádios, como em sua residência na aclamada BBC Radio 1. Playing Robots Into Heaven pode não ter sido feito para aproximar suas duas, digamos, personas, mas é uma obra que realiza esse feito com louvores.

Isso porque ela convida esse outro James Blake a dar as mãos àquele que conhecemos tão bem, cujas produções vão da melancolia de cunho sombrio nos primeiros discos às canções mais ensolaradas do anterior, Friends that Break Your Heart. Este novo surge como uma sequência interessante para prolongar o momento mais leve do músico, que nos apresenta a algumas experimentações que talvez não tenham necessariamente sido feitas para as pistas de dança, mas trazem essa energia aos ouvintes.

Quem acompanha o britânico há certo tempo reconhecerá de imediato os timbres (o piano, sua voz modificada e a atmosfera volumosa) nos primeiros segundos da abertura, “Asking to Break”, com progressão de acordes também familiar dentro de sua discografia. Uma melodia delicada abre espaço em meio àquela densidade e nos oferece uma espécie de refrão sem letra que aponta a direção pela qual o álbum segue até o fim.

A excelente “Loading” dá continuidade e, em uma estrutura mais pop, oferece batidas dançantes, mesmo que um tanto tímidas, sem nunca abrir mão dos mesmos elementos familiares da faixa anterior. “Tell Me”, a seguinte, abraça de uma vez por todas esse clima em um drop diferente de tudo o que Blake nos ofereceu até hoje – e irreconhecível para quem só esteve com ele nos primeiros álbuns.

É interessante como Playing Robots Into Heaven parece uma progressão do single/EP Before, de 2020, que já flertava mais abertamente com uma verve dançante do músico. Mas, no maior estilo James Blake, isso se desenvolveu aos poucos, talvez dentro de alguma insegurança ou acanhamento do artista, ainda que sua timidez nunca o tenha afastado dos trabalhos como DJ. Essa sequência inicial do disco define muito de nossa audição e soa como a construção de uma união entre esses seus dois lados.

Daí em diante, a obra continua a desenvolver sua leveza e, mais do que isso, certo bom humor com o qual ela foi construída. A própria mistura de robôs e espiritualidade, presente no título, já mostra essa intenção de uma criação livre para os sorrisos, ou até risos. Muitos dos timbres escolhidos – como os de “Big Hammer”, principal single do disco – denotam também que as emoções aqui são outras. Há espaço para muitos samples (incluindo o gospel em “He’s Been Wonderful”, mais um aceno ao espiritual) e até a uma citação à mais do que célebre “Beautiful”, parceria entre Snoop Dogg e Pharrell Williams, na divertida “I Want You to Know”. É difícil escutar “Fall Back”, ainda na primeira metade do álbum, e não sorrir enquanto cai na dança, mesmo com seu conteúdo irônico.

As letras de Playing Robots, em comparação aos discos anteriores de Blake, são mais simples e brincam com repetições – o que sempre cai muito bem quando o assunto são beats eletrônicos para dançar. O último ato da obra, na sequência “Night Sky”, “Fire the Editor” e “If You Can Hear Me”, trata de acenar à melancolia de outrora dentro da proposta atual. A faixa-título, instrumental, encerra o disco com cara de “faixa bônus”, ou de “poslúdio”, tão robótica quanto espiritual.

É difícil imaginar como o álbum é percebido por alguém que chegou só agora à discografia de James Blake – talvez ache tudo muito divertido, talvez apenas estranho. Quem está por aqui desde que ‘tudo era mato’, no entanto, se empolga não só por ver aonde seu trabalho de mais de uma década o levou, mas por saber que o caminho segue aberto para mais novidades que ele queira nos apresentar – seja ele como cantor, compositor, produtor ou mesmo DJ. O que todos eles têm em comum, afinal, é a excelência.

(Playing Robots into Heaven em uma faixa: “Loading”)

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ARTISTA: James Blake

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.