Resenhas

Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo – Música do Esquecimento

Mantendo o bom humor e a sagacidade, segundo disco do grupo traz mais experimentações e é um retorno e tanto

Loading

Ano: 2023
Selo: RISCO
# Faixas: 14
Estilos: Indie Rock
Duração: 43'
Produção: Vitor Araújo

Apenas dois anos separam os lançamentos de Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo (2021) e Música do Esquecimento, segundo disco do quarteto paulistano Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo, lançado hoje (06/09). Durante o período, os músicos se dedicaram não apenas a excursionar pelo Brasil com as músicas do primeiro registro, como também se lançaram em projetos paralelos: Sophia (vocal e guitarra) se juntou ao coletivo Besouro Mulher  para lançar Volto Amanhã (2023), enquanto Vicente Tassara (guitarra) e Theo Ceccato (bateria) deram vazão ao projeto Pelados, com Foi Mal, em 2022.

O resultado dessa maturação é um álbum ainda mais aventureiro do que a obra de estreia. Se lá em 2021 o grupo usou apenas 22 minutos (em 9 canções) para nos apresentar ao seu misto caótico de indie rock e música brasileira, aqui o quarteto toma seu tempo para mostrar o quanto mais caótico as coisas podem ficar (ainda em um repertório surpreendente coeso). Agora são 14 músicas, com várias delas passando da marca dos 4 minutos de duração e nos proporcionando mergulhos mais longos, densos e lentos no “Pop Cabecinha” do grupo.

Com produção do pianista Vitor Araújo e pós-produção assinada por Ana Frango Elétrico (com quem o grupo já havia trabalhado anteriormente), o registro se mostra ainda mais experimental do que seu antecessor, adicionando elementos como cordas, pianos e sopros. Com arranjos meticulosos e uma busca cuidadosa por timbres, as músicas soam diversas estilisticamente, ainda que sempre se apoiem num pilar bastante pop (com um resultado que, de alguma forma maluca, é bem acessível).

A abertura, “Minha Mãe é Perfeita”, por exemplo, segue num rock ruidoso guiado por guitarras perfurantes e efeitos na voz de Sophia, enquanto a balada “Último Sexo” parece ter saído do disco de algum crooner perdido dos anos 1960. A banda até mesmo incorpora elementos do pop de câmara em “Qualquer Canção”; “Baby Míssil” tem um quê de brasilidade presente nos Novos Baianos, e o samba aparece no encerramento do álbum, com “Deus Tesão”. São elementos novos na musicalidade da banda, mas que aparecem aqui de forma natural, como se todos os caminhos fossem possíveis – e já tivessem sido previstos na obra de estreia.

Já as letras seguem a mesma essência jovem de antes. São narrativas poéticas e introspectivas, que exploram temas que vão desde a paixão e o amor até questões mais existenciais, passando ainda pela filosofia e a estética (até mesmo a escritora Marilena Chauí é citada em uma das canções). Ainda assim, tudo é tratado com certo humor, ora vindo do absurdo, ora vindo do deboche e autodepreciarão. “Segredo”, lançado de antemão como single para o disco, é um exemplo disso. São letras como “olha no meio da minha cara / não vê que não há nada / a esconder, me engole / me fode que eu sou sua / me engana, diz que eu presto” e “mas se você quiser / eu viro um segredo seu / não faço barulho nem chamo atenção / de ninguém” que percorrem narrativas inseridas em vivências LGBTQIAPN+, mas que ressoam formas universais de se relacionar com o outro e o mundo.

Quase como uma resposta a “Se Eu Fiz pra Você Uma Não-canção Eu Não Podia” (presente no primeiro disco), “Qualquer Canção” discute um impasse criativo que beira a metalinguagem. Já letras como “não é pessoal / só achei por muito tempo / ser normal ficar parado / no mesmo lugar” (de “As coisas que não te ensinam na faculdade de filosofia”) abordam um aspecto de deslocamento do interlocutor, algo que é visto de uma forma ou de outra durante todo registro, até mesmo quando as canções falam sobre sexo – e talvez a dobradinha “Ultimo Sexo” e “beijar morder trepar” discuta bem esses temas. Tudo isso salpicado pela sagacidade lírica do quarteto, capaz de construir versos intrigantes como “dialética da nudez / quanto mais me dispo / mais me visto”.

Envolvente, seja pela diversidade musical ou pelas letras chicletes e inteligentes, Música do Esquecimento é um segundo disco e tanto. Um passo que consolida a banda como uma das mais interessantes do novo cenário brasileiro e, mais do que isso, solidifica uma identidade ainda mais livre, sem amarras e prontamente disposta a abraçar o caos.

(Música do Esquecimento em uma faixa: “Quem Vai Apagar a Luz”)

Loading

Autor:

Apaixonado por música e entusiasta no mundo dos podcasts