Ao contrário do que provavelmente se esperaria, desde o início da pandemia cada vez mais artistas efetivam parcerias, ainda que a distância. Isso é verdade também para o violonista Fabiano do Nascimento, que já há algum tempo vem trabalhando com um seleto grupo de instrumentistas (incluindo o baixista Itiberê Zwarg em Rio Bonito), e que em seu novo registro de estúdio, Lendas, colabora com o compositor Vittor Santos. O resultado é um disco que parte do refinado violão de Nascimento e ganha ainda mais complexidade com os arranjos de cordas criados por Santos – sem contar a magistral participação da lenda viva Arthur Verocai em uma das músicas.
O primeiro encontro entre Fabiano e Vittor – compositor, arranjador, trombonista e produtor musical carioca que já tem uma longa carreira –, aconteceu em 2017, enquanto colaboravam com o músico Carioca Freitas, no disco Aquarelas. A apreciação de ambos pela bossa nova virou o substrato para esta nova parceria, um encontro entre gerações que criam juntos um belo diálogo entre musicalidades intrinsecamente brasileiras.
São oito faixas, que somam pouco mais de 30 minutos, e que crescem a partir do encontro marcante entre o dedilhar de Nascimento e as cordas criadas por Santos. Se o violão é a alma das músicas, os arranjos de Vittor dão corpo à obra, inserindo textura e cor através de suas orquestrações. “Retratos”, que marca a abertura do registro, já mostra muito desse diálogo que por mais minucioso que seja, ainda assim é quente e reconfortante, com violão e violinos criando uma bela conversa que aqui e ali é entrecortada por uma leve percussão.
O disco segue nesse ótimo bate-papo entre o violão e os arranjos de cordas, incorporando ainda momentos mais percussivos (como em “Fonte”) ou dando maior ênfase ora no instrumento de Nascimento (como na ótima “Palácio”), ora na orquestração de Santos (“Sonho”). Tudo isso parece culminar no ponto alto da obra, “Solo as Onze (Noite Suite)”, que conta com a colaboração de Verocai. Dividida em dois momentos bem distintos, a música começa num tom melancólico, como se evocasse uma noite calma de violão, até ser invadida por sopros e cordas enquanto aumenta o ritmo drasticamente. O clímax é marcado por uma explosão sonora em um crescendo de todos os instrumentos que desemboca em uma resolução suave e delicada.
Lendas é mais uma demonstração de como a obra de Fabiano do Nascimento pode transcender o legado da música brasileira – aqui, ainda com o incremento do talento de Vittor Santos (e da lenda Arthur Verocai). A habilidade do violonista de criar atmosferas e paisagens sonoras únicas, aliada à sensibilidade e à sofisticação dos arranjos de Santos, faz deste álbum uma pequena obra-prima da música instrumental brasileira contemporânea. Um registro para ser apreciado com calma e para ser revisitado vezes sem conta.
(“Lendas” em uma faixa: “Solo as Onze (Noite Suite)”)
